segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Eternas ameixas

Mais ou menos sei da vida.
aprendi menina em trilhos
do trem que não tomei
mas que vi partir meu pai
à jornada sem retorno
até a guerra, em terras frias.
Vencemos,
vencemos!
e um buraco negro desmanchando
nos lençóis de minha mãe,
a forma de seus olhos transformando-se
em ameixas
inchadas, prestes a explodir
no melancólico.

O trem seguinte
muito mal adormecido
repetia-se na procissão:
a vida segue,
e toda aquela história
do rodar da Lusitana
uma Lusitana
duas Lusitanas.
Quem é essa, com tal nome?
Eu nunca nem ouvi falar
mas pelo nome de florista
deve ser boa mulher.

Pelos trilhos corria Zuquim, irmão meu
pequeno sem carnes
a cabeça desnuda
pronta para os sóis de futebol.
Por um fio de sapato ficou preso,
e então o pé inteiro
e o corpo
enjaulado na prisão
que prende ao chão de terra
e não coube tempo –
de lá afundou-se no solo
qual destino, tragédia levara
e juntos levamos, nós
por um fio sem nó do sapato.

Hoje já estou velha
a pele fina a recordar papel de seda
amassado.
Durmo cedo.
Mas toda noite abro os olhos
uma vez para ir ao banheiro
outra para esperar
que se acabe o tremer da terra
que me treme a casa,
que me treme a cama
e a cabeça, e os porta-retratos
os dedos e minha vista cansada
quando sinto que o trem passa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário