sábado, 12 de outubro de 2013

As coisas

Que há com as coisas, afinal,
para terem, além de si, uma constante de segredos,
um interno transbordamento?
Uma cama quente, um abajur das madrugadas.
Que há com a coberta fina
a poltrona bebendo do sol na janela
os potes de plástico
para me fazerem, todos eles, me lembrar de você?

Você passeando pelo quintal
no frio da estação
cortando mamões e catando frutinhas.
Você e seus olhos grandes, completamente abertos,
que tiram a graça
de qualquer vitória-régia
e que nunca mais pude ver,
só de relance.

Que há com a casa, agora grande demais,
para guardar consigo seus móveis
o resto de sua comida gelada, de um mês atrás?
E guardar as histórias de sua rotina
meticulosamente iniciada às sete da matina
todo dia.

Abrir a janela para entrarem os gatos
preparar café, a manteiga no pão
televisão e caminhadas
almoço, jornal, mercado
filmes pela metade
um doce às escondidas.
As coisas te perseguem
porque guardam um naco de ti.
Porque são nelas que te percebem
enquanto uma soma de
– coisas
quase corpos, oceanos e constelações
no mínimo da nossa memória.

Mas em tudo que te pertence
sobrou uma ausência por sua ausência,
a solidão secular das coisas.

As coisas só são coisas
quando cumprem uma função
uma rota para o mundo
e a função de todas as suas coisas nesse instante
seus brincos de rosa
o carrinho de feira
o velho tear e os novelos de lã
tem a função rigorosa e difícil
de nos fazer lembrar de você

no enlace das lágrimas arredias.

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