terça-feira, 10 de setembro de 2013

Caravelas

Caravelas coloridas nos quadros
não são as mesmas da coroa real
real de verdade, exata.

As caravelas, desgastadas em trajeto pelo Atlântico,
as caravelas tomaram-me tudo
romperam meus ligamentos
para construir pontes invisíveis
por onde passavam o brilho dourado
e o gosto marrom, quase preto
do cheiro amargo que a todos eles esquenta.

As caravelas me levaram
minhas luvas de cozinha
a cozinha que eu não tinha
e já sei que não vou ter.
Levaram as perspectivas, toda a autonomia
e também as economias
que eu mal sabia ter,
só levava comigo.

Causaram-me dores,
causaram-me fome
e, depois, quando desvalida
e tonta por tabelas,
rasgaram-me inteira até o fim das pernas
afundando na mata densa e inóspita
que não pertencia a
nenhum daqueles velhos barbados nas cores das nuvens
mais brancos que o branco
do coco, do santo.

Ah, o santo.
Onde é que os meus foram parar?
As caravelas,
no mar desdentado,
levaram de tudo
e levaram-me toda
depois de fraca, doente e já morta
por pedaços de terra
até que toda minha crença
se desmanchasse
nas águas fascinantes desse mar
como se fosse uma folha de papel.

E, no fim, tanto faz
e, bem, tanto fez.
A folha pouco importa
e seus escritos menos ainda.
É como se em mim morresse uma parte
que tão mas tão importante...
não sei sequer lê-la
nesta língua que não é minha.

O que sou ou que fui
o que quis e desquis
o que fiz:
talvez
o maior segredo do universo.

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