domingo, 1 de setembro de 2013

A deformação do tempo

Esta lareira
que bem me serviu no ano passado
já não serve mais.
Está suja esta lareira
suja e lotada de cinzas
sobre tudo aquilo que queimei.

Meus pés escondidos, meus pais,

o patinho de borracha que ganhei de meu avô,
os bilhetes de amor
cuja letra garranchada
ignorando a pauta das linhas
voava por dentro da folha,
a folha que agora é cinza,
um monte de cinzas
esparramado na lareira
que nem mais me esquenta.

Não me serve a lareira,

nem meus pais,
nem a sola do sapato
que de tão velho nem chegou
a ser mencionado,
os amores antigos já não bastam
e sequer voam o suficiente,
na verdade não saem mais do chão
esses amores acrófobos,
hipocondríacos.
Não me serve mais nada.

O patinho de borracha

que lembrava meu avô
derreteu na labareda
e, enquanto derretia,
deformando as feições fabricadas
de pato feliz,
parecia chorar lágrimas de meu-deus
as lágrimas que não chorei
mas ah
mais do que nunca as sentia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário