sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Noite

Hoje a lua acordou míope e não pôde ver os olhos de Luiz. Era escuro ele, esfumaçado, rapaz calmo mas em alto e bom tom; pequenas orelhas e boca larga, na esperança-dúvida de pardo. 

Hoje a lua acordou alta, gigante, maior que o polegar de qualquer pai. E justo hoje, justíssimo justamente, ela se esqueceu dos óculos finos que mal a mal se encaixavam na alvura arredondada de sua face. Estava míope ela ao mundo e, entrementes, sem mentiras, o mundo a ela, revestido da translucidez das nuvens moucas. Não choveria nesta noite clara, ainda que precisada de gotas de água, das bem gordas, sobre os ratos e telhados. Luiz, em sobreponto, chorava calado um chorinho incolor, ensimesmado, por onde jogava sobre si mesmo todas as culpas do mundo. Vez em quando lhe dava esses ímpetos de choro: se entristecesse frente aos outros, só chorava depois quando só, em ruas desertas ou nas madrugadas de cotovelos duros sobre a mesa da cozinha. Luiz fora sempre assim, amanhecia triste? não contava a ninguém. Segredava em manter rastros, restringia-se ao silêncio dos riscos. 

Hoje a lua acordou chateada porque quase cega. Mas triste, triste-triste não estava, triste de verdade isso não, não podia. Porque ela sempre foi o mais branco dos pronomes, não por própria culpa, mas por assim refletir as luzes claras. Por sua brancura, não tinha razão de entristecer. Quase-cega, sem paisagens e posturas e pestanas, fechou os olhos para a cidade escurecida em desestrelas. Desistências? Não se ouvia cousa alguma – sapatos de salto, cochilos, cochichos, risadas – nada afora o soluço que escapou dos grandes lábios de Luiz. Não via, porém, se era bonito ele ou feio, se tinha charme ou graça, se magro ou gordo, se branco ou preto. 

Soubesse ela falar, talvez diria a ele que parasse de tristeza com calmas de choro, que esquecesse toda dor. Mas não disse – porque é muda, não sabe nem cantar. E porque é, acima de tudo, uma lua branca e não pode por isso saber tudo o que já passou a pele escura de Luiz. 

Pouco pensou antes de descer ao chão e fazer subir a maré. Foi com calma, paciência, perolando seu trajeto noturno onde, nas ondas geladas, nadou junto do rapaz por toda a noite. Cada passado instante era que a lua mais e mais se aproximava para enfim ver os trejeitos de quem chorava na noite muda. Os instantes se passavam em parecência cada vez mais ligeira, chantageando de manhãs, e ambos, seja Luiz ou seja a Lua, esmoreciam de leve, aos poucos. Como quem não quer nada. A luz do farol aparecia por trás dos corpos intocáveis pela própria transparência. Entre eles dois, não se tinha mais tristeza: não se tinha mais branco, não se tinha mais preto. 

Enquanto isso, um ou outro por aí insiste dizer que a escuridão na pele de Luiz e maldição, desagrado divino, pobreza, algum fato merecido de, primeiramente, xingos. Também os mesmo são que escancaram os bonitos passeios marítimos da lua como se fossem sumiços por eclipse. Esses todos, que dizem e dizem, nem tem o que dizer, ai. Mal sabem eles as lindezas da volúpia transparente. 

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