segunda-feira, 23 de julho de 2012

Conto da despertação

A Louca da Rua, apelido Maria do Pranto, tanto gritou, esganiçada, que tirou da cama o Seu Osaías, e cortou pela metade cada mariposa que dele habitava os sonhos naquela noite. Era mariposa da cor que fosse, grandes pequenas falantes dançavam com as antenas por entre Seu Osaías tão sorridente como nunca antes. Se chacoalhava com a música que saía do farfalhar das asas, mas isso tudo em pirlimpisques foi só piscar os olhos e se acabou -- depois de acordado foi aos poucos se esquecendo de tudo, embrutecendo o tecido da face sem feição, até que só restaram aos dias de hoje uns calmos tiques, meio obsessivos, quando ele avista uma mariposa, ainda que do outro lado da janela (o lado ao qual ele nunca se aventura aliás).

Acordado mais cedo, olhou pela janela, os olhos nauseabundos, e e assistir ao nascer tosco do sol urbano e responder o bom-dia da Louca da Rua, preferiu a primeira opção. Ela seguia choramingosa e de voz fraca após tanto berro, que só acalmava quando a luz do sol amarelava tudo o que havia sido sombra debaixo da amendoeira da calçada. Lá, apertada no canteiro mão-de-vaca, a mulher passava seu tempo de mil horas, roçando os dedos sobre a fibra da roupa todinha em tons de marrom. 

O sol subiu naquela manhã igual a todos.o.s.dias, sem graça de beleza, e Seu Osaías sem graça sem rima só eterno pretérito imperfeito voltou a dormir até a hora do almoço. Maria do pranto morreu nalgum dia amanhecido, em seu voo capenga de asas marrons, na direção de todas as chuvas. Seu Osaías, quando acordou, só soube dizer (mal sabido e assoviando, o maldito) -- graças a deus. Voltou a dormir e sonhou uma infinidade de coisas bonitas que de nada serviram quando acordou.

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