sexta-feira, 10 de junho de 2011

Os nomes da revolução


Amor é revolução. Sexta-feira, a tarde livre e animada, ainda úmida dos pingos gordos da chuva de ontem. Saí do cinema como que amando. Revolução é mais um, talvez o mais imprescindível de todos, dentre os nomes do amor, captados com maestria pelo diretor francês Michel Leclerc. Integrando o Festival Varilux de Cinema Francês, Os Nomes do Amor traz uma nova França, que explode humanidade e expressão. O belo trabalho da fotografia não presta para afrancesar as cenas com paisagens, marcos culturais e vielas bonitas, mas sim como incentivo ao poder das pessoas. A França de Leclerc, fascista, xenofóbica, ressentida e escondida, se escancara pelos corpos, não pelos meios. A França de Leclerc, politizada, vai além da chatice blasè que se idolatra no tal cinema francês. A França de Leclerc traz a história de amor entre Bahia Benmahmoud (Sara Forestier), moça extrovertida de origens árabes, interpretada por e Arthur Martin (Jacques Gamblin), um homem mais velho e recatado de origens judaicas.

Bahia, cujo crescimento se consolidou com grande viés esquerdista, inventou seu próprio tipo de militância, a partir do famoso dito hippie “faça amor, não faça a guerra”. O amor de Bahia é política pura, pois consiste no sexo como ambiente argumentativo. Em um caderno vermelho já bem recheado, ela registra todos os homens de extrema direita que, após as palavras revolucionárias ditas durante o sexo, tornaram-se pessoas muito melhores. É sabendo isso que Arthur Martin, o estereótipo do homem desinteressante, aprende a lidar com Bahia e todos os conflitos que ela acarreta. Enquanto Bahia tem orgulho em exibir suas origens familiares, Arthur esconde as próprias, reflexo da atitude da mãe, que sempre se calou sobre Auschwitz e envergonha-se de não possuir nacionalidade francesa, diante da retalhação indireta vinda da direita francesa. Os olhos enormes de Bahia, a saúde de seu corpo e os cachos de seus cabelos fazem Arthur se libertar mais e conhecer coisas novas. Ao mesmo tempo, ela sempre soube da visão política esquerdista de Arthur. Vai atrás dele sem o intuito de “desreacionalizá-lo”, porém é impossível dizer que não causou nele revolução alguma.

Em meio a situações cômicas e bem-humoradas, Os Nomes do Amor é um retrato divertido da Europa atual e, mais profundo ainda, dos pedaços de passado presentes no cotidiano contemporâneo. O cotidiano contemporâneo, independente do lugar, pede amor. E é com amor que cenas inteligentes se exibem, maduras, na tela do cinema. Bahia e Arthur vão juntos à feira e ela pergunta o valor de três lagostas. Diante da resposta cara, ela pergunta quantos caranguejos podem ser comprados pelo mesmo preço, no que o feirante responde serem sete. As cenas que se seguem, risonhas, são um dos muitos ápices do filme, que se revoluciona a todo instante, à medida que o amor dos dois se revoluciona. Pela estrada, vai o carro deles até o litoral, com a caixa de caranguejos vivos, prontos para serem jogados no mar. “Por que a vida das lagostas vale mais que a dos caranguejos? Sinto pena das lagostas”, diz Bahia, aflita e inquieta como sempre. Na praia, o casal faz da revolução o amor, em câmeras nostálgicas que parecem, todo o tempo, ter como foco as coisas boas ou, mais ainda, as coisas ruins que podem vir a se tornar boas. Porém, ainda inconformada, a moça prossegue a linha de raciocínio: “é melhor salvar sete caranguejos do que três lagostas, não é? Digo, eu posso salvar quatro vidas a mais. Mas... e os camarões?”

O filme acaba, os créditos rolam e uma alegria invade minha sexta-feira. Saí da sala escura e o vento frio havia cessado. Nas escadarias da Gazeta, onde duas horas antes todos os estudantes da região se sentavam para rodas de conversa, só um ou outro prosseguia. De olhos atentos, como costumo ficar após idas ao cinema, pensava sobre Os Nomes do Amor sem conseguir encontrar palavras concretas para ele. Na escadaria, um moço bem novo, de barba rala, estudava um calhamaço de folhas xerocadas, cujo autor tinha letras miúdas mas o título, garrafal, era só o que eu precisava. “Amor e Revolução”.


  

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