sábado, 5 de março de 2011

Gentil e Simpático


Nos nossos áureos tempos de infâncias, bambolês e amarelinhas, o grande (e metido) herói podia até ser o príncipe encantado, mas os amigos de verdade eram sete e tinham nome: Mestre, Zangado, Soneca, Atchim, Dengoso, Feliz e Dunga. São anões mineradores muito esforçados, mas não superam os queridos Gentil e Simpático, mineiros que conheci na erma estrada chilena de Copiapó, passando pelas agora famosas minas de San José y San Esteban. Prezo muito pelo bem-estar dos meus nostálgicos anões e por isso já alertei que eles sete devem tomar cuidado quando nas minas de diamante -- há alguns meses os jornais do mundo inteiro já noticiaram os riscos mortais de tal profissão quando os patrões não se importam com a segurança de seus funcionários. 

Até agora, nenhum acidente atingiu os sete anões mineiros; ao que me parece, o maior imprevisto da vida deles foi a chegada de uma moçoila toda meiga, alta, romântila e, cá pra nós, branquela por demais. Gentil e Simpático, pelo contrário, tem muita história pra conatr. Disseram até que os mineiros farão um livro ou um filme sobre os detalhes dos setenta e poucos dias em que ficaram presos debaixo da terra. O irmão de Gentil, aliás, é um dos trinta e três, e agora está de licença em sua pequena casa de Copiapó. Simpático, todo prosa com seus bigodes grisalhos, levou-me para ver a tal da mina de cobre, atualmente interditada. Nos tempos em que a notícia bombava e a emoção contaminava os muitos parentes acampados nos arredores, a frente do portão da mineradora estava infinitamente lotada de jornalistas, fotógrafos, gravadores, câmeras, papel, caneta e cabeças. Nenhum destes, porém, chegou a ver a tal mina em distância tão ínfima, ultrapassando portão. Os dois amigos contaram que estavam lá somente em plantão, pois as trágicas minas não estão funionando para extração. O patrão, em compensação, tem todo o processo de resgate dos trinta e três para pagar, mais muitas indenizações também -- tudo justo, convenhamos. Já os sete anões, nunca ouvi falar de patrão, mas garanto que os muitos diamantes espalhafatosos que eles extraem não ficam para as riquezas pessoais, pois não é à toa que eles vivem todos numa choupana ao invés de num palácio. 

Aliás, os sete amigos que me perdoem, mas não há diamante mais precioso que os regalos dos dois mineiros. A economia chilena tem a mineração como um de seus pilares. As minas do Chile são lotadas, sobretudo, de cobre. Pois Gentil e Simpático, maravilhosos amigos que são, entraram no frágil barracão que serve de portaria e, num instante, voltaram com uma pedra em cada mão e mais um sorriso de dentes tortos -- pequena amostra de cobre com necos de ouro, diretamente das famosas minas de San José, para mim e meus companheiros de viagem. Como se fosse presente pouco -- e definitivamente não era -- e vendo nossa curiosidade sobre o acidente, Simpático deu meia volta, o dedo em riste como que dizendo "vocês ainda não viram nada, meus caros!". Enquanto isso, Gentil comentava sobre o trabalho e até de futebol (ele, Simpático e a maioria dos mineiros torcem todos pelos Universitários). Então, de passos largos, chegou Simpático com um testigo de granito nas mãos, justamente alguns centímetros do pequeno e fundo buraco cilíndrico que, cortado com lâminas de diamante (dos sete anões, talvez!), tornou possível o resgate dos trinta e três mineiros. Saímos de lá, por entre homenagens familiares em pedras desérticas, continuando a estrada rumo a La Serena, com certa emoção nos dentes. É por essas e outras que gosto de histórias. Ouvir, ler, contar, viver histórias... tudo isso é deveras clichê, mas é inegável o acontecimento histórico que foi esse resgate. É que, digamos assim, a gente é inteiro feito de historias pra cá e pra lá e, convenhamos, também precisamos sempre ter um espacinho para as histórias que alguns dizem soletrar-se com "e" inicial. Um espaço para ler jornal e outro, bem guardado, para os sete anões mineiros.

15/01/2011

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