sábado, 29 de janeiro de 2011

Sapateado

A última canção, que seja em coro
Que tente o tom
Que tenha compasso onomatopéico
Que solte enfim a interjeição
Reprimida pelas grossas lentes prisão
Pelas chapas afiadas das seis às seis
Pelos olhos dos outros
Enquanto a miopia é a grande peste.

A última canção que tenha percussão
Que balance cabelos
Batuque as ossadas
Que tenha vento de trem
Porque trem sempre esteve a nos guiar
Mesmo sendo de berço tão metálico
Quanto fábrica indústria revólver

A última canção, que tenha voz de menino
Que conte lunetas, histórias e passos
Afinal, são 107 passos
Que se acabe essa aflição
Esse esboço mal-dormido
Essa vida vista mal
Que se implante óculos em pupila
Que se ouça buzinas e estalos
Que se faça bela Mary
Que se veja bela Mary
Que se saiba sapatear sem olhos
Mas para danças é preciso chão
Mesmo que por ínfimos segundos
Entre um salto e outro e outro
E a forca tira força
Tira som do pé da moça
E passa o grito à boca
Sem nenhuma afinação
Sem a voz sincronizada
De uma peça musical.

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