segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Carta ao meu verdadeiro lar


"Está escurecendo. Tenho que voltar pras minhas terras, tenho que encontrar minha bella casinha. Mas como faço pra levar todas essas bugigangas que deixei aqui? São também fração de mim. Aceita-me como todos esses meus apêndices? Estou voltando, mas não tenho como bater à porta porque minhas mãos estão ocupadas com essas minhas tralhas. Abra-se pra mim? Semana passada o calor imperava, aposto que você sentiu também. Quase rapávamos careca de tanta quentura na cachola. O ar mantinha-se fresco, dançando entre moléculas. Nós pulando, nós em bellas gargalhadas, os pés sentindo a areia úmida à beira do mar. Ah, Mar, és também meu lar! Teus rebolados me instigam os caminhos... pra ti me vou, mas em ti serei nômade: aqui tenho meus álbuns de fotografia e minha casinha que tanto me bem-guarda. 


Pois Recife é também meu lar, mas só o é por ser Vida para minha casa. Minha casinha, a passos ansiosos, me levou até Recife, mesmo com alguns atropelos e pausas no caminho. Foi-se o tempo em que corríamos para tudo quanto é canto do mundo - porque afinal, para crianças, um ou dois centímetros já são gigantes mundos. Agora a gente tem fome. Fome de mundo, fome de dias, fome de êssencia, fome daquele tempero verdadeiro, que não precisa de sal: já se gusta por si só. Mas preciso da minha casinha por perto, pois ela passeia comigo. Às vezes se enraiza, é certo. Mas costuma acompanhar-me. É de muito belleza minha casinha. Toda amarela, com estrelas vermelhas em alguns cantos, meu lar vezenquando se camufla, mas isso é só porque é uma casa no campo. Está ficando escuro e o vento frio se achegando, abre a porta pra mim? Sinto falta de teus ideais, do sofá que guardas para mim, da escarola que me serves à contragosto. Sinto falta de tuas birras, porém mais ainda sinto falta de tuas andanças cantantes, quando acompanho teus caminhos por nossa janela. 


Casinha tão bella, de margaridas em parapeito, e veranesca paixão, só queria de avisar que gosto de, pela nossa janela, olhar o teu andar que se faz nosso, por entre política, gastronomia, cinema e futilidade. Pensa só, Casinha que tanto amo: agora o inverno já foi-se, por enquanto é tempo de Sol, Saias Rodadas, Dilma, Olinda - Tu Tão Linda. E se ainda não for tal época, se atranquila, a nossa estação há de chegar logo. Pois verão é tempo de janelas abertas, portas destrancadas, passeios na praça, pipoca e sorvete. Tempo de férias, tempo de comemorar novos anos em viagem (essa tal viagem de sempre que, pode parecer ingenuidade, mas tem pezinhos andarilhos por entre tantos mares, tantas ervas-daninhas. Por entre tanta orquídea, por entre o cão risonho da maior negritude que acompanha o passo do tal "eu e você-minha-amiga"). Temporada de Casa no Campo. Onde, como já diz Elis, eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais. Isabella, obrigada por me abrigar sempre, por ser assim "a certeza dos amigos do peito e nada mais". As margaridas que me perdoem, mas minha Casa no Campo é recheada de mandacarus. Talvez eu tenha sumido em algumas estações, mas o inverno e o outono são sempre um pouco mais complicados, e acho que você partilha da mesma opinião. Acho que preciso visitar mais - muito mais! - minha Casa no Campo, tão linda e charmosa que ela é! Obrigada por tudo e feliz aniversário." 


(12/11/2010)

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