quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Inseto infante


O ônibus balança, chacoalha pros lados sem ritmo ou melodia, só em sincronia com os buracos das ruas mal-cuidadas da metrópole. Tento ler meu livro de letras miúdas, mas a cabeça começa a explodir-me, pedacinhos de cérebro espatifando-se para os lados, em sacudidas violentas como o transporte público. Involuntários são meus olhos, às vezes até um pouco indiscretos, mas é que enquanto minha vista fica a pairar, me perco em pensamentos, e a visão se desfoca em um ponto fixo, que importuna-se. Desta vez, pelo contrário, o sem-querer de meus olhos não significou a falta de nitidez: pois, no quarto banco atrás do cobrador, de nariz colado à janela, sentindo na face o tremelique motorizado que parece pertencer ao mundo, estava uma moça aí de meus álbuns de fotografia. Era Joana, a Jô de meus velhos tempos, com quem bailava em épocas de colégio e trocava bilhetes bobinhos que deixavam enrubescidas nossas bobinhas maçãs do rosto. Separamo-nos por conta do tempo e do ginásio, que chegava com jovens moças de flores despontando e rapazes de topetes e jaquetas. Neste agora meio desconcertante, me atrevi a fazê-la recordar de seu apelido meio maldoso de infâncias, aquele com que eu e minha ganguezinha de moleques astutamente a pentelhávamos: Joani-nha!! Não saí em corrida de fuga, como naquela época, assim como Jô também não lançou faíscas dos olhos nem perseguiu-me em fúria sem estribeiras. Só travou os olhos a mim, libertando-os no relance. Sorriu como sempre, as gengivas enormes exibindo-se, hipérboles da anatomia. Há agora uma ruga na testa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário